domingo, 7 de novembro de 2010

IDEOLOGIA DE ELITE








Hoje em tempos de "Tropa de Elite II" resolvi postar aqui uma resenha escrita quando do lançamento de "Tropa De Elite I". Assisti no cinema e escrevi em 2007, quem sabe haja algo que valha como referência para esta sequência.








TROPA de Elite. Direção: José Padilha. Roteiro: Bráulio Mantovani. Rio de Janeiro. Brasil. Zazem Produções, 2007. DVD (118 min), son. color..


O filme Tropa de Elite, baseado no Livro “Elite da Tropa” escrito pelos policiais do BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) André Batista e Rodrigo Pimentel e o Antropólogo Luiz Eduardo Soares é, sem dúvida um filme polêmico. O filme traz a história de uma perspectiva diferente, com a concepção de que até agora os filmes só traziam o olhar do bandido, ele vem pra “mostrar“ o do policial. O filme é do Diretor José Padilha (o mesmo de Ônibus 174, filme de 2002 que retrata uma das maiores tragédias do tipo no Rio, onde um policial do BOPE durante um seqüestro, erra o tiro, e acerta a refém). Tropa de Elite conta a história de um capitão do BOPE que quer sair da corporação para se dedicar melhor à sua família, mas ele precisa de um substituto. É nesse meio tempo, que dois novatos na PM passam a fazer parte do enredo. Eles começam a conhecer a corrupção e o modo como funciona o “sistema”. São amigos de infância e têm personalidades bastante diferentes, o próprio capitão Nascimento lamenta “se eu pudesse juntar os dois”, mas isso não é possível, somente um poderá substituí-lo.

O filme do ponto de vista cinematográfico é muito bom, imagens fortes, enredo envolvente, história bem articulada. O ator Vagner Moura no papel de Capitão Nascimento está atuando maravilhosamente, completamente incorporado ao personagem. As cenas de ação são intensas, a trilha sonora é estimulante. Imagino que muitos cinéfilos perceberam uma certa semelhança entre o treinamento do BOPE e o treinamento dos fuzileiros que é exposto em outro filme; Full Metal Jacket (Nascido para Matar) do grande diretor Stanley Kubrick. Também baseado em um livro, ele faz uma enorme crítica ao processo desumano que transforma homens em assassinos treinados. No filme brasileiro é outro “tipo” de guerra, mesmo assim em vários momentos do treinamento são visíveis as semelhanças do Capitão Nascimento com o Sargento Hartmann, os modos irônicos, rigorosos e cruéis.

O filme Tropa de Elite, não necessariamente traz para a discussão, mas, toca em vários assuntos importantes, como: violência, corrupção, tráfico e consumo de drogas. Mas é preciso que se diferencie bem esse aspecto, de uma crítica ferrenha. O filme traz esses temas de uma perspectiva pessoal de um policial, de uma perspectiva reacionária, e isso é inegável. Desse ponto de vista, estamos em guerra e torturar, matar, são atitudes corretas e necessárias; a favela é o covil e bandido bom é bandido morto. A PM está perdida, não há como salvá-la da corrupção. O BOPE é o grupo de justiceiros incorruptíveis que vem para limpar toda essa sujeira. Realmente não se deve esperar um discurso em prol dos direitos humanos de um filme que parte dessa perspectiva. O filme não traz críticas ao governo, ao contrário, redime-o da responsabilidade sobre os problemas sociais levando a culpa para os usuários de drogas, nem fala da necessidade de políticas humanitárias. Fala sobre a repressão armada, sobre atirar antes e perguntar depois, sobre fazer a lei a QUALQUER custo. Mas isso é desmérito do filme enquanto filme? Não. É da ideologia que ele apresenta. A ideologia desse sistema da máquina estatal que repreende e pune. O filme é legítimo, e muito bem feito. Cabe ao espectador conseguir perceber tudo isso e prestar bastante atenção nessas passagens do filme e, do ponto de vista ideológico, aplaudi-las, ou não:

É burrice pensar que os policiais vão subir a favela apenas pra fazer valer a lei”

“O símbolo do BOPE deixa claro o que acontece quando a gente entra na favela” (o símbolo do BOPE é uma Caveira com uma faca cravada e duas pistolas cruzadas)

“Bota na conta do papa...” (resposta do Capitão Nascimento a um de seus soldados sobre o que deveria ser feito com um verme(garoto) que estava sendo torturado)

“Homem de preto o que é que você faz? Eu faço coisas que assusta o satanás.

Homem de preto qual é sua missão? – Entrar pela favela e deixar corpo no chão!”

Jr.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mordida de bicho cabeludo




Leitura de "Dalton Trevisan". Ele disse. É pico na veia. É overdose de realidade. Sua Literatura não é pra ler assim, de qualquer jeito. Irresponsável. Sua literatura é uma sublime e lívida porrada na cara. Você geme, e quer mais.

A escrita desse Curitibano desgracido tem uma espécie de humanismo próprio, nu e cru. Não espere uma metamorfose do eterno clichê de falar da realidade do homem, exaltando ou punindo seus defeitos e virtudes. O humano mau e o humano vítima, o lobo e o cordeiro, o tenro e o velho, o nobre e o vagabundo, uns mais e outros menos. Em Dalton, ninguém é mais do que é, e ponto.

Enquanto você pensa em maldade, Dalton fala de desejo, enquanto você tem pena, o personagem tem prazer. Isso no começo, depois você se identifica, e, mesmo que não admita, sabe, isso é o importante.

Vejo alguém lendo Dalton:

“Perdoe a indiscrição, querida, Vai deixar o recheio do sonho para as formigas?, Ó você permite, minha flor, Deixe só um pouquinho...”

“Ai, benzinho você é mau.”

“Faz miséria comigo...”

“Ai, Ai, eu morro.”

“Mais, amor, mais...”

Primeiro uma expressão estranha, ruborizada, depois, um sorriso de cumplicidade.

Seus personagens: Nelsinho, Elisa, Odete, Bêbados, Vampiros, a vovó, a titia, quem são? São você leitor. Cada gemido é seu. A sombra que se esgueira no beco escuro e sórdido pensando nos sete beijos da paixão, o elefante que se despede lentamente ao pé duma árvore da periferia de Curitiba.

O sangue da flor perdida escorre das páginas e pinga nos teus pés. O suor dos amantes exala seu cheiro nas páginas. Os gritos e gemidos lhe arrepiam e você olha em volta com medo de que alguém próximo esteja ouvindo, emanados das próprias páginas, ou de sua boca que lendo as pronuncia sem perceber, em voz alta.

“Não escrevo para mudar a vida, melhorar o mundo ou salvar minha alma. Um papel coberto de palavras vale mais que o papel em branco? é toda a minha desculpa de escrever.”

Pronto, nas palavras dele.... Nada Mais. Se exprime a condição bruta do ser humano? Se revela as suas excentricidades? Se critica, constrói, devasta? Isso importa?

“Você grita 24 horas e desmaia feliz”

Isso é Dalton Trevisan.

Jr.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

IMPRESSÃO DE LEITURA I

LEITE DERRAMADO
Chico Buarque (2009)

Por Jr.

Minha relação de leitura com “leite derramado” se deu basicamente em quatro "encontros" viajando de carro e tentando marcar as lembranças para escrever depois. O primeiro foi como sempre, mágico. Ver a capa, sentir a textura (qualquer semelhança com “84 Charing Cross Road” não é mera coincidência) aquela coisa boa de pegar no livro pela primeira vez, aquele tesão bibliófilo. A cor laranja nunca me agradou muito, mas no livro gostei. O título me trouxe à lembrança logo de relance uma historinha que li na infância (acho que é de Esopo e foi adaptada por Monteiro Lobato mas não me recordo exatamente) que contava sobre uma menina que vinha fazendo mil e um planos sobre o que faria com o leite que ia carregando: o venderia, compraria isso, depois aquilo, depois aquilo outro, até que, zás!, tropeçou e derramou todo o leite e com ele todos aqueles sonhos....

Isso me veio num estalo “– Esse livro vai falar sobre alguém arrependido” pensei comigo.

Primeiro pensei em escrever citando ponto por ponto, as inúmeras impressões que tive, achei que ficaria extremamente extenso por vários motivos e então resolvi contar somente as impressões mais fortes e visíveis. Não obstante, é devido afirmar que mesmo assim não são poucas. Seria um lugar comum prever que num livro escrito por Chico Buarque se ouviria ressoado, temas, estilos e formas de suas letras e músicas? Inevitável. E isso não é ruim (fora a previsibilidade) já que em termos de composição a sua genialidade é inegável.

A forma de contar a história e a escolha do narrador me animou, sempre gostei desses relatos cheios de sinceridade de personagens decadentes ou insanos (ou ambos). Eulálio da Assumpção, narrador da trama, carrega ao mesmo tempo as duas características: se a idade avançada e as doenças já o fazem decadente por natureza(física) ele também está pelo mesmo motivo, em vários momentos do seu relato, num estado de insanidade(confuso, perdido, incoerente).

Bom, acho que a primeira reminiscência importante de citar que me assaltou ao começar a leitura foi causada pela, mesmo que embaralhada e confusa, memória do narrador centenário. Ele se recorda de detalhes de sua infância, sentimentos sutis em momentos banais, muitos desses exemplos ocorrem no decorrer de todo o texto “Balbino pronto me obedecia (...) Acontecia de ele alcançar tal manga, e eu lhe gritar uma contra ordem, não é essa, é aquela mais na ponta”(BUARQUE, 2009 p. 19).

Me lembrei repentinamente do narrador de “O Primeiro Homem” de Camus que em situação completamente antagônica desse outro narrador dizia

A memória dos pobres já é por natureza menos alimentada que a dos ricos, tem menos pontos de referência no espaço, considerando que eles raramente saem do lugar onde vivem, e tem também menos pontos de referência no tempo de uma vida uniforme e sem cor [...] se desgasta com as dificuldades e o trabalho, esquece mais depressa sob o peso do cansaço. Só os ricos podem reencontrar o tempo perdido. Para os pobres, o tempo marca apenas os vagos vestígios do caminho da morte.” (CAMUS, 2005, p. 80, 81)

O narrador de Leite Derramado teve pelo menos durante um tempo uma vida abastada, de um luxo que poucas pessoas podem se lembrar. O fato de essa situação ter começado a mudar com a morte do pai o faz se agarrar ainda mais fortemente às sua lembranças, ele as retém por desespero de manter a pompa do passado, a imponência, o poder do nome, e não por boa memória. O narrador de “O Primeiro homem“ se esquece, por que lembrar (para ele) é sofrer.

De certa forma o antagonismo entre esses dois narradores se mantiveram na minha mente durante toda a leitura do livro de Chico Buarque, os crassos motivos das lembranças, sempre resquícios inacabados por forças de acontecimentos que lhe escapam em um, e fragmentos saudosos de orgulho, rastros de uma genealogia de canalhas, história, poder e derrocada no outro.

Tudo que falei aqui se refere muito mais à própria memória(do personagem/narrador) do que propriamente à sua índole. Na minha opinião o autor trabalhou muito bem com esse personagem. As obras que senti o vagar de influência no texto de Chico são todas obras de grande valor reconhecido pelo cânone literário mundial (sem mais delongas sobre isso já que imputar agora ao leitor uma discussão sobre o “valor” de obras literárias seria um tanto absurda). Camus(O primeiro Homem), Sartre(A Náusea), Proust(Em Busca do Tempo Perdido, mais precisamente o último livro da série “O Tempo Redescoberto”), e por último e fechando as impressões mais fortes que tive, me lembrei e achei incrível a semelhança (em termos de significado) com o filme “Sunset Boulevard”(no Brasil “O Crepúsculo dos Deuses”). Vale lembrar que quando falo de impressões, semelhanças, ao citar as obras anteriormente, não estou dizendo que Chico Buarque se inspirou nessas obras, que possuem elementos confundíveis ou algo assim, o que digo está mais ligado a sensibilidades da memória, é mais como quando se olha para uma pintura de Matisse e percebe aquele tom de vermelho que lhe lembra Picasso. Já tendo falado sobre a impressão e os motivos dela no caso de “O primeiro homem”, farei agora o mesmo com as demais, uma por vez.

Antoine Roquentin - personagem do livro “A Náusea” – dentre tantos outros elementos que ele “constata” para a falta sentido na existência, elementos que apenas mantém iludido o homem de que sua condição é aceitável, explica um que ele chama de “captura do tempo” este está assim ligado essencialmente à memória. Segundo a sua constatação, o ser humano tende a organizar na memória as lembranças de uma forma que tudo o que ele viveu, por mais fugaz e tolo, pareça de um modo geral trechos de uma trajetória sublime, que o leva infalivelmente a um final glorioso, ou pelo menos digno. Pois bem, essa “teoria” de Antoine é claramente exemplificada pelo personagem narrador de “Leite Derramado”, ser de uma história que além de algumas excentricidades burguesas não tem nada de gloriosa, mas o mesmo insiste em recordá-la, em expressá-la até a exaustão, tendo ou não um interlocutor atento, mas com desejo de que esta se transforme em uma publicação para a posteridade, “Estou pensando alto para que você me escute. E falo devagar, como quem escreve, para que você me transcreva sem precisar ser taquígrafa, você está aí?” (BUARQUE, 2009 p. 7) desejo de perenidade que mais ainda reforça o caráter de valor que o mesmo atribui à sua trajetória de vida.

Outro lugar-comum. Não é difícil encontrar comparações entre qualquer texto que esteja relacionado a tempo e memória e a obra de Proust. O que considero muito arriscado. Ao meu ver, empreender em qualquer tipo de comparação com “Em busca do tempo perdido” deve ser feita com o máximo de cautela, pelo risco de incutir em um engano tão grande quanto a obra de Proust. Proust fez um dos grandes achados da literatura mundial, ele criou a grande aventura da memória, transformou essa memória em palavras. Ele não só trouxe juntamente com essa memória os elementos visíveis da história passada, mas também aquilo que é invisível e particular de cada indivíduo em suas reminiscências: o imaginário das sensações, sentimentos e emoções quem também compõem as lembranças. Outra impressão causada pelos detalhes das lembranças de Eulálio da Assumpção, quase sempre ricos em sensações e emoções, como quando ele se recorda do que sentiu quando Matilde falou com ele na Igreja, e mesmo o que ele já estava sentindo só de vê-la à distância.

Por último dentre essas selecionadas impressões que tive ao ler “Leite Derramado” digo esta que nem é uma impressão advinda de uma obra literária mas cinematográfica. Esta impressão se construiu em mim desde o final do primeiro capítulo quando Eulálio num sublime ensejo de melancolia diz Até eu topar na porta de um pensamento oco, que me tragará para as profundezas, onde costumo sonhar em preto-e-branco.” (BUARQUE, 2009 p. 8) e se concluiu depois, no final quando o narrador descreve como um espectador da morte do seu tetravô, a própria morte. A história do filme e do livro de Chico Buarque não tem na verdade nenhuma semelhança muito evidente. Mas se parecem em dois termos significantes principais: A prisão às reminiscências - A personagem do filme Norma Desmond mora na sua mansão no Sunset Boulevard mas vive de lembranças da glória que viveu no passado, é extremamente melancólica, também se agarrando às suas lembranças de forma quase insana – e (o que também acontece em “Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis) a Visão exterior da própria morte – No Início do filme o narrador em flashback Gills, descreve o momento em que encontram o seu próprio cadáver a boiar na piscina.

Muitas outras impressões menores, mais abstratas, eu tive lendo Leite Derramado, as que acabei de citar são por sua caracterização mais demonstráveis, o que não tem nada a ver com verossimilhança. Posso dizer que a princípio não gostei muito do livro de um modo geral. Achei-o bem escrito, gostei da linguagem e da forma mas, me parecia que faltava algo, uma espécie de finalidade que me fizesse lembrar dele depois, ao ler outros textos, como acontece com esses que me assaltaram à sua leitura. O final deu o tom que faltava, e encerrou a narrativa de Eulálio com as boas qualidades de um texto bem escrito, uma história bem urdida, que nos envolve na insanidade e nas deturpações dos valores humanos e senis de um narrador - que demonstra em si o espelho de uma sociedade – decadente: moral, física e psicologicamente.

REFERÊNCIAS

BUARQUE, Chico. Leite Derramado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

CAMUS, Albert. O Primeiro Homem. Tradução Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca, Maria Luiza Newlands Silveira. 1.ed especial – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

PROUST, Marcel. Em Busca do Tempo Perdido – O Tempo Redescoberto – vol 7. Livros do Brasil – Lisboa. 1998.

SARTRE, Jean Paul. A Náusea. 10 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

sábado, 23 de outubro de 2010

Vicente Veloso. Do Auto da Canabrava





Eu sou Vicente Veloso e vivo dentro dos mato

Fui escravo, fugitivo e hoje, sou livre de fato

(...)

No ano quarenta e quatro do século mil e oitocentos

Eu vivia como escravo. Trabalhando como jumento

Vivendo desesperado de tanto, tanto trabalho

Fazendo serviço pesado. Fosse noite ou sol a pino

Nunca acostumei com o fardo que tinha no couro grudado

Desde o tempo de menino

Um dia me perguntei se aquele era meu destino

Trabalhar até ficar velho. Trabalhar desde menino.

E não vê o resultado de tanto, tanto trabalho

Trabalhar até não prestar, até ser posto de lado

Pois o dono do escravo mandado do céu não é

Depois de esgotar o sujeito, quinze, vinte ano no eito

Lhe joga no meio da rua pra viver de esmolé

Pois o escravo quando velho já não guenta mais serviço

E fica veio, jogado, como fosse um estrupiço

Um trem velho mulambento, melhor não ter essa sina

Ter morrido pequenino. Um dia me perguntei se era aquele meu destino

Então, desorientei e fiquei desplaneado

Daquela minha questão arrumei o resultado

Mas fiquei matutando sem saber se o fazia

Sem saber se me matavam ali mesmo na freguesia

Mas um escravo morto era de pouca valia

Não foi de caso pensado. Não foi uma maldade.

Foi vontade de justiça dessas que anima e atiça

Que me chamou de verdade e me disse, assim, baixinho

“Vicente, sabe a verdade está aí, em tu, aí dentro

Dentro do seu coração

Tanto a sua liberdade, quanto a sua escravidão”

Então, animado e afoito eu fiquei com meu sangue quente

Recebi umas broncas do que se dizia meu dono

Que aquela minha moleza, sofria por dor de dente

Era mode uma aguardente que sumiu de sua cabana

Eu disse, não, não fui eu e não irei trabalhar

Ta vendo cá pra esse dente, assim não vou agüentar

O diabo que tale dono pensou que o velho Vicente fosse

Não julgou novo o Vicente e tentou dar-me com o açoite

Ali, mesmo, decidi: Não seria mais escravo

Não precisava de lei pra me haver libertado

Eu mesmo, preto Vicente, preto da cor de carvão

Me libertei das correntes que me prendia não o braço

Mas o coração e a mente

E a espada da justiça em forma de velho facão

Usou das minhas duas mãos e consegui minha liberdade

E dei, adeus, sem saudade para aquela escravidão

Aí, vixe, cai no mato, subi serra, desci serra

Passei lajedo, beirada que beiradeiro não beira

Passei caatinga fechada sem lavoura nem fazenda

A não ser os gado e as roça que deus do céu, mesmo inventa

Caí no mato sem rumo, caí no mato sem dó

Pois sabia que deus é grande e o mato é muito maior

(...)



Flávio Dantas Martins