sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Atos Finais - Folhetim e Vitrines


Infelizmente aconteceu como eu temia. Essa demora na postagem sobre os últimos atos não foi de maneira alguma desmotivada. Quando assisti o terceiro tive certeza disso. O que começou bem terminou muito mal.

Por que?

Tudo contribuía para mais um grande êxito e.... As músicas que serviriam de argumento eram muito boas. Eu imaginava em conhecer as letras o que “Vitrines” e Folhetim permitiriam criar. Decepção. Em nada os dois últimos atos de tão promissora minissérie conseguiram manter das qualidades dos primeiros. A história inconsistente, falta de profundidade nas atuações(com pouquíssimas exceções é claro), péssima interação entre música e cena, o que, ao meu ver é essencial para uma minissérie advinda exatamente do plano musical. Devo fazer uma ressalva quanto a isso da única qualidade em todo o último capítulo, mesmo que seja uma qualidade muito curta, o momento em que Vera caminha ao som da canção de Chico Buarque que dá nome ao ato, eu acredito que seja exatamente como muita gente já imaginou, até por que a letra é muito visual. O reflexo das luxes no corpo dela, o andar vulgar/sensual, a impressão de calvário naquela lividez. Infelizmente é só o que se aproveita do ato. A linguagem da música de Chico Buarque que está longe de ser vulgar - já que como é notado o “eu” da voz é uma pessoa que observa a vulgaridade dos contextos e lamenta., é a que predomina nos dois últimos episódios, até o aspectos das cenas conseguem manter um pouco disso. Aquela continuidade de significação que era tão bem sentida em nossas mentes permitidas ou pelo narrador, ou pelo nível de realismo das cenas, desapareceu. Existe na verdade uma movimentação desarticulada de signos, uma mistura despretensa de personagems em situações sempre irreais. O que dizer da cena em que Ari encontra com Vera a primeira vez no bar depois da briga em casa? Uma cena tão fantástica que parecia deslocada do sentido. E o momento em que Ari diz a ela que só a quer ver passar?

Ao meu ver o diretor se perdeu num emaranhado de códigos, de elementos de cena, de personagens, e terminou por não ser feliz em nenhum. É claro que entendendo que “determinada narração sofre no cinema um tratamento semiológico muito diverso do que receberia num romance” (METZ, p.167, 1972) isso não esclarece todos os pontos que definem uma obra como “de qualidade”. Creio que o que mais esperamos quando vamos assistir uma obra cinematográfica é que se o filme pretende ser realista, ou fantástico, ele consiga ser, o êxito de poder ser o que se objetivou no momento sensível de tratar com todos os elementos que compõe a cena, o enredo, os diálogos, etc é essencial. É sensível como a “câmera sensível” de Pasolini.

Sem dúvida posso expressar que foi frustrante o modo como concluíram a minissérie, penso que ter construído em dois capítulos de uma mesma história os últimos dois atos favoreceram para esse fim. Infelizmente esses dois últimos atos soaram em todos os aspectos como um ensaio.

Esperávamos uma versão final que fizesse jus às canções.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

2º ATO – Meu único defeito foi não saber te amar


Não é preciso muito critério analítico para notar que o episódio de ontem, o “segundo Ato” da minissérie foi completamente diferente do primeiro. Outra música/argumento, outra direção, consequentemente outra abordagem cinematográfica, outra perspectiva. Como apontei anteriormente no outro texto o caso do narrador que tem se banalizado nas minisséries globais não aparece nesse segundo episódio, portanto, não somos atacados ou agraciados pelo seu “discurso”, o que podemos afirmar é que a voz daquele narrador é um discurso tão importante quanto as imagens em movimento do objeto fílmico, mas, não obstante, o que temos nesse outro ato é uma narrativa produzida pela imagem e pelas representações, pelas sequências de interação entre os personagens, o ambiente e a trilha sonora, sem intervenção de outra instância inteligível, um outro tipo de narrador. É uma diferença muito grande, mas concordo com quem disser que o episódio teria que ser apresentado assim como foi, e que o que nele era silêncio funcionou bem melhor assim mesmo.

A linguagem do silêncio que na tela nos foi exposta pelos espaços vazios, pelo que não sabemos da história, pelos detalhes que não conhecemos do passado das personagens, foi quem expressou a crueldade humana que há em cada gesto na primeira cena. Não temos ao nosso dispor os detalhes de como foi a vida de Maria e Lauro anteriormente, o que temos é aquela impressão de ridículo que vemos a personagem sentir num acesso de ciúmes, isto, posto de uma forma que ataca a nossa sensibilidade não pela catarsis aristotélica, mas pela sensação do “vivido”, pelo modo como aquela cena se dirige a nós em tom de evidência e confidência com algum ponto da nossa memória afetiva.

Com efeito, não há comédia nesse episódio. Se nos direcionarmos primeiramente para a obra musical que dá o “tom” a este 2º ato teríamos aí uma ironia que de tão cruel é desagradável, também não faz rir, mas é uma ironia, elemento comum no autor e no compositor Chico Buarque. O compositor joga com a inversão de papéis e é o malogrado errante que se dispõe a perdoar uma propensa sofredora dos seus infortúnios. O eu que perdoa na música, em suma perdoa por tudo que é imperdoável em si, mas ele não sugere, ele infere que sabe e é consciente de tudo que faz. Seu exclamar perdoador alcança notáveis limites para pessoa humana romântica em situação amorosa, mas não é por aí, o que ele perdoa é uma sucessão de ultimatos, provável percurso passado de muito tempo de discussões e recorrências, e é uma sucessão gradativa que tem nos seus primeiros perdões o que racionalmente seria o menos concebível “Te perdoo por me amar demais”, pra se coroar na ultima afirmação irônica que ultrapassa qualquer racionalidade para mostrar o que é realmente inconcebível, “Te perdoo por te trair”. Seria talvez difícil seguir no âmbito cinematográfico o mesmo sentido da canção, a ironia absoluta e singular da letra se faz expressar sem contexto, sem ambiente, sem nada, é um monólogo ao léu. O diretor fez o inesperado, ironizou a ironia, fez da voz do irônico a surpresa final, transpôs o sofrimento de quem sofria pra quem fazia sofrer, agir e agente mudaram de personagem e o final do 2º Ato foi excelente.

Cruel, cruel por não precisar de ninguém feliz pra agraciar o público. Cruel por que assim é a vida e principalmente as relações amorosas, cheias de ciúmes, discussões injustas e crassas, angústia, vingança, amor, querer, tudo o que faz delas boas e ruins, como tudo, tudo com sua própria graça e horror...

Uma boa diferença válida e inesperada para o segundo ato, onde o deus ex machina foi retirado do narrador para a pessoa viva que dá o golpe inverso e incomum de perdoar o imperdoável.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

1º ATO – Ela Faz Cinema


Andam aparecendo, há tempos, algumas coisas na televisão que podemos dizer que merecem ser comentadas. Em específico quero ressaltar as minisséries que vêm sendo transmitidas por uma emissora de grande porte esta que, aliás, não precisa do seu elíptico nome aqui mencionado. Esquecendo parcialmente questões referentes a produtos midiáticos e, principalmente ao mercado capitalista, algumas dessas minisséries têm nos servido de produtos artísticos muito agradáveis e de qualidade, dos quais posso citar sem cerimônia e começando pelo que considero o mais impressionante deles, “Hoje é dia de Maria”, também “A pedra do Reino”, Capitu”, dentre outras mais antigas ou mais recentes. Cada uma com suas particularidades, seus defeitos, até por que nos chocamos com a estranheza que existe em coisas dessas conviverem com “big brothers” da vida... No entanto, não é difícil entender os motivos.

Ontem começou mais uma minissérie que a julgar pela aglutinação intersemiótica que pretende, é no mínimo interessante. A proposta é transformar canções de Chico Buarque em histórias, em episódios divididos em atos, “Amor em quatro atos”. O primeiro Ato exibido ontem leva o nome de uma canção, e creio que podemos entender sem leviandade que a canção que dá o título funciona mais como uma espécie de argumento do roteiro do que apenas como ponto de partida para uma ampliação exclusiva da história que a letra conta (e canta). O que percebemos é que há uma junção de elementos de outras canções e de outras formas de arte apresentadas com malícia e humor. Há nesse episódio algumas características que já notamos nas séries anteriores, das quais a que se nota mais claramente, é o estilo do narrador, idêntico ao “visto” na série passada denominada “As Cariocas”. Esse narrador, que está mais pra comentador, complementa as cenas com uma boa dose de sarcasmo enquanto guia o espectador por entre a comédia fina de pequenos detalhes e ironias que se desencadeiam na trama. O que está na tela, a ficção criadora daquelas vidas, sempre foi uma tentativa ntendida como inócua, já que a jurisdição dita “realidade”, nunca poderia ser criada pelo humanum laborum, apenas vivida, experimentada, longe do seu domínio na esfera da criação da sua própria experiência, sempre em segunda e terceira instâncias. Desde muito tempo é opinião considerada. No entanto não é esse modelo excludente que supomos acontecer na relação entre a ficção e a realidade, muito menos levando em conta como ela é representada e principalmente “lida” pelo outro extremo igualmente essencial na construção do significado: o espectador(leitor). Concebo que


A leitura recíproca dos significantes se realiza portanto como movimento iterativo entre os dois sistemas, mutuamente excludentes, de signos. Este movimento decorre, por um lado, da contrafação dos dois mundos, mas disso resulta, por outro lado, que o mundo artificial não significa a vida pastoril e que o mundo sócio-político não é a sua mera facticidade. Ler é ora decifrar de um palimpsesto, ora projetar uma significação, ora revelar algo oculto, ora contestar algo dado, ora imaginar algo possível.(ISER, p.263, 1996)


como afirma Iser ao falar sobre o jogo que há entre o fictício e o imaginário. Que relações há entre o nosso sistema de signos que criaram na mente do criador da minissérie um vendedor de “fast food” árabe apaixonado pela voz de um megafone, uma diretora de “curtas” noiva de um pseudo-príncipe preso à época da monarquia e um pedreiro que gosta de samba e cerveja na “Toca da Onça”? E o que existe de singular no diálogo entre esses dois vizinhos hierarquicamente distantes pela realidade e pelo tempo(o trabalho de construção dele vai acabar logo, assim como o clip dela sobre “Construção” também), diálogo sem mentiras apenas com um jogo de linguagem fragmentado e mesclado entre oclusões e desejos? Isso tudo pra mim é ponto pra minissérie, uma boa dose de seleções e supressões da linguagem em nome de um resgate extratextual que se constrói na voz do narrador e na mente da gente que assiste.

Mas o mais interessante de tudo a meu ver é o paradoxo que existe entre dois componentes significantes presentes na minissérie: a apresentação ultrarrealista do cotidiano e a fantasia que inadvertidamente torna o cotidiano mais real. É realmente paradoxal e um tanto absurdo ser, invariavelmente o que está apresentado de forma fantástica, que determina o quão realista e próximo do cotidiano “vivido” pelas pessoas estão as cenas representadas. Um exemplo peculiar é o grau de contrassenso da vida da personagem Rafic, o que faz dela ainda mais plausível no nosso mundo. No seu trailer, a história começa e termina, é lá que o narrador se apresenta como um outdoor ambulante (ironia entre o vae victis do trabalhador desempregado e um linguajar erudito de puro sarcasmo). Também o caso da incomum ordem epistemológica empreendida no construção (isso é um referente constante e metalinguístico) da minissérie, é muito comum vermos adaptações de obras literárias, e até razoavelmente de livros que se baseiam em obras cinematográficas. Aqui temos um caso que vem da música, uma exploração muito importante do grau de complexidade das letras de Chico Buarque. Poderíamos até estender esse pensamento à literatura, mesmo a contragosto do cantor e compositor que já disse muitas vezes, até com desdém, que sua música é musica e não poesia, literatura. De fato é inegável o grau de poeticidade presentes com ou sem intenção do seu criador e que passa para todas as leituras que se façam da sua obra.

Bom, o que quero dizer é que essa mistura de textos aumenta a complexidade e favorece a obra dando-a novas dimensões, criando mais e mais relações contextuais e inter-textuais. As transgressões causadas por esse aglomerado de signos e referentes transcende a nossa relação com o objeto e tudo que vemos é componente dialógico. E aquela cena virtualizada no ato de interagir como os signos nos permitem extrapolar o nosso mundo individual, nos abrem um universo de possibilidades. Nos é grato participar da arte dessa forma (é claro que isso é metafísica do entendimento).

Espero na continuidade dos atos, uma nova surpresa a demonstrar a infinitude de tantas coisas que já nos pareciam esgotadas de significado, desde as músicas que já sabemos de cor, até as velhas piadas do cotidiano que parece sempre igual.