Não é preciso muito critério analítico para notar que o episódio de ontem, o “segundo Ato” da minissérie foi completamente diferente do primeiro. Outra música/argumento, outra direção, consequentemente outra abordagem cinematográfica, outra perspectiva. Como apontei anteriormente no outro texto o caso do narrador que tem se banalizado nas minisséries globais não aparece nesse segundo episódio, portanto, não somos atacados ou agraciados pelo seu “discurso”, o que podemos afirmar é que a voz daquele narrador é um discurso tão importante quanto as imagens em movimento do objeto fílmico, mas, não obstante, o que temos nesse outro ato é uma narrativa produzida pela imagem e pelas representações, pelas sequências de interação entre os personagens, o ambiente e a trilha sonora, sem intervenção de outra instância inteligível, um outro tipo de narrador. É uma diferença muito grande, mas concordo com quem disser que o episódio teria que ser apresentado assim como foi, e que o que nele era silêncio funcionou bem melhor assim mesmo.
A linguagem do silêncio que na tela nos foi exposta pelos espaços vazios, pelo que não sabemos da história, pelos detalhes que não conhecemos do passado das personagens, foi quem expressou a crueldade humana que há em cada gesto na primeira cena. Não temos ao nosso dispor os detalhes de como foi a vida de Maria e Lauro anteriormente, o que temos é aquela impressão de ridículo que vemos a personagem sentir num acesso de ciúmes, isto, posto de uma forma que ataca a nossa sensibilidade não pela catarsis aristotélica, mas pela sensação do “vivido”, pelo modo como aquela cena se dirige a nós em tom de evidência e confidência com algum ponto da nossa memória afetiva.
Com efeito, não há comédia nesse episódio. Se nos direcionarmos primeiramente para a obra musical que dá o “tom” a este 2º ato teríamos aí uma ironia que de tão cruel é desagradável, também não faz rir, mas é uma ironia, elemento comum no autor e no compositor Chico Buarque. O compositor joga com a inversão de papéis e é o malogrado errante que se dispõe a perdoar uma propensa sofredora dos seus infortúnios. O eu que perdoa na música, em suma perdoa por tudo que é imperdoável em si, mas ele não sugere, ele infere que sabe e é consciente de tudo que faz. Seu exclamar perdoador alcança notáveis limites para pessoa humana romântica em situação amorosa, mas não é por aí, o que ele perdoa é uma sucessão de ultimatos, provável percurso passado de muito tempo de discussões e recorrências, e é uma sucessão gradativa que tem nos seus primeiros perdões o que racionalmente seria o menos concebível “Te perdoo por me amar demais”, pra se coroar na ultima afirmação irônica que ultrapassa qualquer racionalidade para mostrar o que é realmente inconcebível, “Te perdoo por te trair”. Seria talvez difícil seguir no âmbito cinematográfico o mesmo sentido da canção, a ironia absoluta e singular da letra se faz expressar sem contexto, sem ambiente, sem nada, é um monólogo ao léu. O diretor fez o inesperado, ironizou a ironia, fez da voz do irônico a surpresa final, transpôs o sofrimento de quem sofria pra quem fazia sofrer, agir e agente mudaram de personagem e o final do 2º Ato foi excelente.
Cruel, cruel por não precisar de ninguém feliz pra agraciar o público. Cruel por que assim é a vida e principalmente as relações amorosas, cheias de ciúmes, discussões injustas e crassas, angústia, vingança, amor, querer, tudo o que faz delas boas e ruins, como tudo, tudo com sua própria graça e horror...
Uma boa diferença válida e inesperada para o segundo ato, onde o deus ex machina foi retirado do narrador para a pessoa viva que dá o golpe inverso e incomum de perdoar o imperdoável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário