“no tempo da negação, podia ser útil examinar o problema do suicídio. No tempo das ideologias, é preciso decidir-se quanto ao assassinato.” Albert Camus
Em muitos países, de acordo com o avanço das informações, pudemos observar de forma crescente o intumescimento, o ânimo, a festa generalizada. Pouco a pouco, além das comemorações, foram aparecendo na mídia internacional outros fenômenos oriundos das mesmas notícias: piadas, paródias, eventos, manifestações (públicas e privadas, coletivas e individuais), de uma certa forma - levando em consideração os “meios” modernos -, o mundo “reagiu” à informação bombástica: “- Bin Laden fora assassinado!”
Ao grande feito, enfileram-se os tributos: presidentes, chefes de estado, celebridades, um após o outro, elogiaram e renderam homenagens ao orgulhoso “autor” da façanha, um Obama sorridente e de olhar progressista. Dentre as manifestações citadas acima, no entanto, houveram aqueles mais incrédulos, aqueles que frente a um ato tão grandiosamente sublime, teimaram em não acreditar. Um até chegou a exigir atestado indelével da morte do terrorista, com foto, vídeo e, se possível, até exame de DNA que dirimissem completamente suas dúvidas. Logo apareceram pequenos vídeos da mansão arruinada, do fogo e do sangue cobrindo o chão de onde seria o esconderijo do “desafortunado” Osama. Junto com essas pequenas “provas”, como é de costume, explanações técnicas sobre a exímia “operação”, como, quando e com que meios o ilibado exército americano chegou a tal empreendimento e até como o mais novo e inexorável Prêmio Nobel da Paz, assistiu a tudo “em tempo real” num alojamento da mais alta tecnologia.
Tudo isso não parece conter nada de anormal.
As explosões festivas de populares em todo o mundo, a torrente de opiniões superficiais, de declarações frágeis e impensadas.
Estamos todos cegos, vivemos um mundo de mentiras.
Tenho duas “instâncias” a destacar nesse momento e não me sentiria disposto a tomar partido de nenhuma delas. São ambas nocivas e pérfidas, ambas terríveis. Alguns podem imaginar ser impossível dizer “esta é pior”, porém, é muito simples e visível: é mais nocivo quem tem mais poder e, consequentemente, mais possibilidades de fazer o mal. Julgo desnecessário expor uma opinião inútil sobre quem tem mais poder nesse caso em especial. É demasiado óbvio.
De um lado temos Osama (nesse caso apenas um símbolo para o terrorismo, ilustração para o motivo do texto) representante do terrorismo fundamentalista, do fanatismo religioso e capaz das maiores atrocidades para destruir a “incredulidade do ocidente”. Um monstro. Desses que vêem, na sua crença, suporte para todo tipo de crimes. Do outro lado, Obama (apenas um símbolo da nação estadunidense, também uma ilustração) representante do poderio militar e financeiro mundial, da manipulação de informações internacionais, do controle da grande mídia alienante, das armas nucleares e da atividade em todas as grandes guerras do nosso tempo. Outro monstro. Desses que também veneram um deus, esse mais real, plausível e uniforme entre os povos, ainda que menos ortodoxo: o dinheiro (em nome deste, mais do que de qualquer outro, os crimes tem sido perpetrados).
Esse é um terreno de impasses. Todos os tipos de absurdos, crimes e tragédias, todo tipo de vileza. A isso eu interrogo: é a esse tipo de espetáculo que o mundo dirige seus aplausos?
O mundo está repleto de ideologias. Nenhuma consistente. Elas, deixaram de ser formas abstratas nas mentes e nos discursos ferozes de combatentes e militantes para estabelecerem-se em dois lugares duplamente vãos: na conveniência de alguns e na história pura, sem refratações. É uma grande ironia lamentar algo ultrapassado como a ideologia apenas pela tristeza vazia da atualidade.
Obama matou Osama, pois bem, e aí? Terá sido exterminado o terrorismo da face da terra? Não, senhores. A própria causa ainda subsiste. Que seria de Bush sem a desculpa do terror para reerguer seu governo em situação precária? O terror o fortaleceu, o medo da população o deu o fôlego que precisava para invadir o Iraque e o Afeganistão, controlar o petróleo e matar os inimigos do imperialismo. Poucas horas depois de anunciada a EXECUÇÃO de Osama Bin Laden Barak Obama já havia subido 8 pontos em aprovação popular. Fortuita consequência não acham? Por sorte ninguém pensa que ele queira se reeleger...
Nas torres gêmeas morreram milhares. A conta dos iraquianos mortos há muito passou de um milhão. É difícil concluir qual o verdadeiro terrorismo?
Concluindo. Há mais de vinte e cinco séculos, Sócrates e Críton dialogavam sobre a razão e a justiça de se responder a uma injustiça com outra. Beccaria no século XVIII demonstra esse absurdo na perspectiva da lei: “Não é absurdo que as leis, que são a expressão da vontade geral, que detestam e punem o homicídio, ordenem um morticínio público para desviar os cidadãos do assassínio?”. O filósofo destaca ainda, quão ineficaz é a pena de morte, seu alvoroço imediato, sua comoção instantânea, não duram na mente do povo, não é eficiente para proporcionar a desistência da ideia criminosa.
Matar um terrorista não elimina o terror, pelo contrário, incita-o. O assassinato, em todas as suas formas, não é justiça, é terror. Quem o pratica não será nunca um benfeitor, será um criminoso. Igualam-se algoz e vítima. Coloca-se a lei no patamar do crime.
A questão é semelhante a posta por Camus em “O Homem Revoltado”: “Se o assassinato tem suas razões, nossa época e nós mesmos estamos dentro dessa consequência. Se não as tem, estamos loucos, e não há outra saída senão encontrar uma consequência ou desistir. É nossa tarefa, em todo caso, responder claramente a questão que nos é formulada, no sangue e nos clamores do século.” (CAMUS, p. 14-15, 1996)
O crime de morte é a questão.
Há o que comemorar?
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