Eu sou Vicente Veloso e vivo dentro dos mato
Fui escravo, fugitivo e hoje, sou livre de fato
(...)
No ano quarenta e quatro do século mil e oitocentos
Eu vivia como escravo. Trabalhando como jumento
Vivendo desesperado de tanto, tanto trabalho
Fazendo serviço pesado. Fosse noite ou sol a pino
Nunca acostumei com o fardo que tinha no couro grudado
Desde o tempo de menino
Um dia me perguntei se aquele era meu destino
Trabalhar até ficar velho. Trabalhar desde menino.
E não vê o resultado de tanto, tanto trabalho
Trabalhar até não prestar, até ser posto de lado
Pois o dono do escravo mandado do céu não é
Depois de esgotar o sujeito, quinze, vinte ano no eito
Lhe joga no meio da rua pra viver de esmolé
Pois o escravo quando velho já não guenta mais serviço
E fica veio, jogado, como fosse um estrupiço
Um trem velho mulambento, melhor não ter essa sina
Ter morrido pequenino. Um dia me perguntei se era aquele meu destino
Então, desorientei e fiquei desplaneado
Daquela minha questão arrumei o resultado
Mas fiquei matutando sem saber se o fazia
Sem saber se me matavam ali mesmo na freguesia
Mas um escravo morto era de pouca valia
Não foi de caso pensado. Não foi uma maldade.
Foi vontade de justiça dessas que anima e atiça
Que me chamou de verdade e me disse, assim, baixinho
“Vicente, sabe a verdade está aí, em tu, aí dentro
Dentro do seu coração
Tanto a sua liberdade, quanto a sua escravidão”
Então, animado e afoito eu fiquei com meu sangue quente
Recebi umas broncas do que se dizia meu dono
Que aquela minha moleza, sofria por dor de dente
Era mode uma aguardente que sumiu de sua cabana
Eu disse, não, não fui eu e não irei trabalhar
Ta vendo cá pra esse dente, assim não vou agüentar
O diabo que tale dono pensou que o velho Vicente fosse
Não julgou novo o Vicente e tentou dar-me com o açoite
Ali, mesmo, decidi: Não seria mais escravo
Não precisava de lei pra me haver libertado
Eu mesmo, preto Vicente, preto da cor de carvão
Me libertei das correntes que me prendia não o braço
Mas o coração e a mente
E a espada da justiça em forma de velho facão
Usou das minhas duas mãos e consegui minha liberdade
E dei, adeus, sem saudade para aquela escravidão
Aí, vixe, cai no mato, subi serra, desci serra
Passei lajedo, beirada que beiradeiro não beira
Passei caatinga fechada sem lavoura nem fazenda
A não ser os gado e as roça que deus do céu, mesmo inventa
Caí no mato sem rumo, caí no mato sem dó
Pois sabia que deus é grande e o mato é muito maior
(...)
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